quinta-feira, 4 de julho de 2013

Solidão Amarga


Mais um dia vivenciado, mais um dia terminado com um "X" colocado no presente dia, num calendário que com o passar da rotina começa a ficar cada vez mais riscado.

No fundo, mais uma fotocópia a preto e branco na impressora da vida que tarda na transmissão de dias mais coloridos.

Chego à cozinha, esse refúgio, local predilecto para a prática da solidão, decorado com discretos azulejos em tons de azul. Onde preparo os condimentos necessários para mais uma refeição em horas não muito habituais.

Por entre inúmeras juras de amor, proferidas em relações que se tornaram descartáveis por parte do sexo oposto, ainda janto sozinho à mesa, um ritual que se tem tornado comum.

A casa está vazia, despovoada, ampla demais para alguém que concentra tantos problemas dentro de si. Uma residência pequena que se tem tornado gigante mediante toda esta falta de vivacidade.

Os tímpanos quase explodem pela escassez de palavras fraternas e delicadas. Eles que em tempos serviam na perfeição para aumentar a libido em noites mais quentes.

Sinto-me só, como se a minha habituação fosse como um aeroporto, mas que no entanto só permite viagens de ida, nunca de volta, sem regresso possível.
As pessoas que outrora me rodeavam, partiram. 

Umas por iniciativa própria, outras fruto de arrependimento sentimental, outras ceifadas pela mão da Morte em momentos inoportunos.
Morte, essa mesma que levou todas as estrelas que marcavam presença no meu dia-a-dia, que davam mais brilho à minha existência.

Por isso, opto por jantar, não à luz das velas, mas sim ao brilho das estrelas, que por entre uma janela antiquada, me fazem alguma companhia.

A refeição vai a meio. O azar e as desilusões têm sido presenças tão assíduas e pontuais que hoje optei por iniciar a refeição pela sobremesa, sabe-se lá o desfecho de mais um monótono jantar.

Entendidos na matéria dizem que ninguém consegue fugir a esse tipo de maldades, que o azar bate sempre à porta.. mas começo a achar que sou mesmo de Braga, pois para o azar a porta está sempre aberta, é só entrar, sem sequer pedir licença ou até limpar os pés no tapete da entrada.

O mal ronda este cubículo, para ele devo ser uma diversão, e sem dúvida que ele tem interesse em mim. Agora percebo o porquê de alguém ter deixado um malmequer com a anotação: "Quero-te." à porta de casa.

Acabei a refeição, mais prolongada que o habitual é certo, mas compreensível com o acumular de tanto cansaço, físico e mental. A televisão tem mais pó que nunca, achei por bem dar-lhe um descanso, ando farto de más notícias.

No correio, mais contas. Parece-me que eu e a calculadora já temos planos para os próximos dias. 
Anexado a esse monte de cartas, um jornal de um supermercado qualquer. 

Acabo por ler, nada mau para quem não tem muito mais para fazer, mas também nada fora do vulgar nele presente. 

Horóscopo? Nunca acreditei em nada disso.
Mas também se contar as coisas e pessoas em quem acreditei e depois me desiludiram, mais uma expectativa não afectará..

Amor, nada de novo, mais uns quantos dias complicados. Para já parece-me viável.
Saúde, preciso de mais umas boas horas de sono. Até aqui nada de novo também.
Dinheiro, será insuficiente, refere que devo correr atrás de melhores perspectivas e um novo rumo.

Bem, a pessoa que escreveu este horóscopo semanal, deveria jogar na lotaria. Afinal de contas, em tantas previsões feitas e lidas pela minha parte, esta acertou em cheio, parece impossível.

Novo rumo, correr atrás, dizem eles.. eu que sempre corri atrás das pessoas que me deixaram, que me abandonaram, que sempre fui um atleta no que toca a desgostos amorosos, para no fim acabar só, sem qualquer tipo de medalha ou companhia.

Mas que assim seja. Quem sabe se o meu destino estará numa viagem sem destino..

O relógio aponta as duas e meia da manhã, saio de casa a meio da noite, sem saber para onde ir, para onde o instinto me levar.

No carro, estrada fora, num invulgar comportamento, enquanto lágrimas se vertem da minha face à medida que desabafo misérias através de monólogos.

Cheguei, calma e melancolia são as primeiras sensações a serem recebidas. 

Nunca havia estado na praia a semelhantes horas.
Retiro a camisola transpirada devido à ansiedade de toda esta envolvência, descalçando de seguida as peúgas. Sinto-me mais leve, mais livre.

Entro no areal. Sinto-me inútil a este mundo, como se fosse um pequeno grão de areia nesta extensa superfície. Muitos lutam pela fama, pelas luzes, pelos holofotes, mas aqui encontro-me em sintonia com a escuridão, com a sombra, com o sossego.

Caminho em direcção à água.

O facto de estar gélida não é entrave para que um individuo tão frio como eu, com um coração de gelo, consiga permanecer nela, enquanto saboreio banhos de lua.

O mar torna-se mais salgado à medida que pingas de choro entram em contacto com a água. 

30 anos de vida e ainda continuo na idade dos porquês. Confesso ter saudades minhas, do que fui e do que vivi. 

À medida que a idade aumenta, aumentam também as dúvidas sobre a minha existência, bem como as perguntas que dificilmente terão resposta.

Já pouco importa, já nada significa. Rodeado de tanta água, com tanta sede de alegria e de amor. 

E se eu partisse? 
Que diferença faria?

A viagem foi curta, o destino foi traçado naquele momento. Acabo perdedor nesta batalha, não irei para o inferno pois sempre vivi nele, que venham umas férias no paraíso.

Tranco o cadeado do meu coração, e atiro a chave para bem longe. Entrego-me totalmente ao mar, na esperança de acordar num sítio melhor, ou até nem acordar..

De repente ouço uma voz familiar..


 ..era a minha mãe a chamar-me para ir jantar. Adormeci no sofá da sala após chegar a casa do trabalho.

Graças a Deus foi tudo um sonho.

Sem comentários:

Enviar um comentário